quarta-feira, 16 de maio de 2012

NATIVIDADE DE SÃO JOÃO BATISTA



Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD

NATIVIDADE DE SÃO JOÃO BATISTA - ANO B

Lc 1, 57-66.80 

Ele vai se chamar João

        O primeiro capítulo de Lucas é um exemplo da capacidade literária desse “artista da palavra”. Usando uma forma literária bem conhecida do seu tempo, a da “anunciação”, Lucas prepara o chão para que a sua obra demonstre a transição do antigo ao novo povo de Deus, da antiga à nova aliança.
O capítulo faz paralelos entre duas histórias de anunciação, a Zacarias e a Maria. Ambos os texto seguem o estilo convencionado dessa forma literária: a anunciação de um evento, em nome de Deus, feito por um mensageiro divino (nestes casos, Gabriel); uma objeção ao anúncio (a idade de Isabel e Zacarias, a virgindade de Maria) e um esclarecimento da parte do enviado, e a reação do destinatário: no caso de Zacarias, a incredulidade, da parte de Maria, a fé. Assim, Zacarias fica mudo (os ritos do Templo não têm mais nada a dizer ao povo), enquanto Maria canta a misericórdia de Deus para com seu povo, no Magnificat! O casal justo, Zacarias e Isabel, representa o Antiga Aliança, que agora será substituída pela Nova, representada por Maria, José e Jesus. Essa transição é ainda simbolizada pelos locais escolhidos para a anunciação, - a primeira se dá no Templo a um sacerdote, a segunda na vila de Nazaré a uma moça interiorana. E a história da circuncisão e escolha do nome de João em 1, 59, é paralela aos mesmos eventos na vida de Jesus em 2, 21.
Tipicamente, os nomes dados aos dois meninos indicam a sua missão: o nome “João” quer dizer “Deus tem piedade”, é prefigura a sua missão - de pregar a misericórdia de Deus ao povo convidado ao arrependimento dos pecados. O nome “Jesus” significa “Deus salva”, e também é o resumo da missão de Jesus, o único salvador da humanidade.
O texto de Lucas de hoje, referente a João, contém os temas centrais da toda a sua obra: o Espírito Santo (v. 80); a misericórdia de Deus (v. 58); a opção de Deus pelos pobres e marginalizados (v. 58); a alegria profunda (v. 58); a oração (vv. 67-79) e a importância das mulheres na História da Salvação (vv. 57.60).
A festa de hoje nos faz lembrar a missão de João - a de demonstrar a presença do salvador no meio do povo. Hoje, quem é que tem essa mesma missão? São os cristãos de hoje, nós, chamados a testemunharmos esta presença salvadora no meio do mundo moderno. Para Lucas, este testemunho é a missão de todo cristão (At 1, 8), e é para isso que recebemos o dom do Espírito Santo. No esquema de Lucas, João era o precursor - aquele que apontava para a presença de quem implantaria o projeto de Deus no mundo; Jesus era o enviado do Pai para que este projeto do Reino se concretizasse; e somos nós, as comunidades cristãs, que temos a missão de prolongar esta missão, “até os confins da terra”(At 1, 8b). A celebração de hoje, do “maior de todos os profetas”, nos desafia, para que corajosamente assumamos a nossa vocação profética, pois somos continuadores dessa missão, iniciada com João, realizada em Jesus e continuada na Igreja, de sermos “testemunhas minhas... até os extremos da terra” (At 1, 8).






11º DOMINGO COMUM - ANO B



Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD

11º DOMINGO COMUM - ANO B

Mc 4, 26-34 

Com que coisa podemos comparar o Reino de Deus?

        O texto de hoje traz à tona dois elementos muito importantes para o estudo dos Evangelhos - “o Reino de Deus” e “as parábolas”. Antes de olhar o texto mais de perto, convém comentar algo sobre esses dois termos ou conceitos.
Existe um consenso entre os estudiosos modernos, sejam católicos ou protestantes, que existem dois termos nos textos evangélicos que provém do próprio Jesus e que não dependem da reflexão posterior das comunidades, ou seja, “Reino” e Abbá”. Estamos tão acostumados de ter Jesus como “objeto” da pregação que esquecemos que Ele não pregou a si mesmo, mas o “Reino de Deus” (geralmente citado em Mateus como o Reino dos Céus, para evitar o uso do nome de Deus). Toda a vida de Jesus foi dedicada ao serviço desse Reino, que Ele nunca define, pois é uma realidade dinâmica, mas que Ele descreve por comparações, usando parábolas. “Parábola” é um tipo de comparação, usando símbolos e imagens conhecidos na vida dos ouvintes, e que os leva a tirar as suas próprias conclusões (de fato, várias vezes temos a explicação de uma parábola nos evangelhos, mas, essa nasceu da catequese da comunidade e não teria feito parte da parábola original). O Capítulo 13 de Mateus talvez seja o melhor exemplo do uso de parábolas para clarificar a natureza do Reino - ou Reinado - de Deus.
No tempo de Jesus e das primeiras comunidades cristãs, os diversos grupos religiosos judaicos esperavam a chegada do Reino de Deus e achavam que poderiam apressar a sua chegada - os fariseus através da observância da Lei, os essênios através da pureza ritual, os zelotas, através de uma revolta armada. O texto de hoje nos adverte que não é nem possível, nem preciso, tentar apressar a chegada ou o crescimento do Reino de Deus, pois ele possui uma dinâmica interna de crescimento própria. Como a semente semeada cresce, independente do semeador e sem que ele saiba como, assim o Reino cresce onde plantado, pois também tem a sua própria força interna que, passo por passo, vai levá-lo à maturidade. Assim, o texto nos ensina o que Paulo vai ensinar de uma maneira diferente aos coríntios, quando, referindo-se ao trabalho de evangelização desenvolvido por ele, Apolo e outros/as missionários/as; ele afirma “Paulo planta, Apolo rega, mas é Deus que faz crescer” (1Cor 3, 6).
Uma das imagens que Jesus usa para caracterizar o Reino é a do grão de mostarda. Embora a semente seja minúscula, ela cresce até se tornar um arbusto frondoso. Assim Jesus quer que a gente relembre que é importante começar com ações pequenas e singelas, pois, pela ação do Espírito Santo, elas poderão dar frutos grandes. Esta parábola é um lembrete para que não caiamos na tentação de olhar as coisas com os olhos da sociedade dominante, que valoriza muito a prepotência, o poder, a aparência externa. A nossa vocação é plantar e regar, nunca perdendo uma oportunidade de semear o Reinado de Deus - ou seja, criar situações onde realmente reine o projeto do Pai, projeto de solidariedade e amor, partilha e justiça, começando com sementes minúsculas, para que, não através do nosso esforço, mas da graça de Deus, eventualmente cresça uma árvore frondosa que abriga muitos. O desafio do texto é de que valorizemos o gesto pequeno, as duas moedas da viúva, a semente de mostarda, não nos preocupando com os resultados, mas, confiantes no poder transformador da semente, plantar e regar, para que Deus possa ter a colheita!



10º DOMINGO COMUM - ANO B


Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD

10º DOMINGO COMUM - ANO B

Mc 3, 20-35 

Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe

Oração do dia

Ó Deus, fonte de todo bem, atendei ao nosso apelo e fazei-nos, por vossa inspiração, pensar o que é certo e realizá-lo com vossa ajuda. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Evangelho (Marcos 3,20-35)

Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos.
Naquele tempo, 3,20 Dirigiram-se em seguida a uma casa. Aí afluiu de novo tanta gente, que nem podiam tomar alimento. 21 Quando os seus o souberam, saíram para o reter; pois diziam: "Ele está fora de si."
22 Também os escribas, que haviam descido de Jerusalém, diziam: "Ele está possuído de Beelzebul: é pelo príncipe dos demônios que ele expele os demônios." 23 Mas, havendo-os convocado, dizia-lhes em parábolas: "Como pode Satanás expulsar a Satanás? 24 Pois, se um reino estiver dividido contra si mesmo, não pode durar. 25 E se uma casa está dividida contra si mesma, tal casa não pode permanecer. 26 E se Satanás se levanta contra si mesmo, está dividido e não poderá continuar, mas desaparecerá. 27 Ninguém pode entrar na casa do homem forte e roubar-lhe os bens, se antes não o prender; e então saqueará sua casa. 28 "Em verdade vos digo: todos os pecados serão perdoados aos filhos dos homens, mesmo as suas blasfêmias; 29 mas todo o que tiver blasfemado contra o Espírito Santo jamais terá perdão, mas será culpado de um pecado eterno." 30 Jesus falava assim porque tinham dito: "Ele tem um espírito imundo."
31 Chegaram sua mãe e seus irmãos e, estando do lado de fora, mandaram chamá-lo. 32 Ora, a multidão estava sentada ao redor dele; e disseram-lhe: "Tua mãe e teus irmãos estão aí fora e te procuram." 33 Ele respondeu-lhes: "Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?" 34 E, correndo o olhar sobre a multidão, que estava sentada ao redor dele, disse: "Eis aqui minha mãe e meus irmãos. 35 Aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe."
Palavra da salvação.

COMENTÁRIO


        A disputa com os escribas também intriga umas pessoas quando fala do “pecado contra o Espírito Santo” que não tem perdão. Em que consiste? Segunda a nota do rodapé da Bíblia TEB, “este pecado consiste em negar-se a reconhecer o poder que atua por meio de Jesus, atribuindo a Satanás as obras que ele realiza pelo Espírito Santo. Tal recusa à conversão contraria o perdão”. Mas, as palavras fortes referentes a este pecado não devem tirar a nossa atenção de algo muito mais importante - que todos os outros pecados, por tão “pesados” que possam ter, têm perdão. Esse fato é um grande “Evangelho”, ou “Boa Notícia” e deve nos animar que para que sejamos portadores dessa mensagem de perdão e reconciliação a todos.
Esta segunda parte do terceiro capítulo de Marcos nos apresenta uma característica bastante usada neste Evangelho. O autor intercala uma discussão com os escribas (vv. 22-30) em uma cena em que Jesus se defronta com a incompreensão da sua família (vv. 20-21. 31-35). Ele usa o mesmo procedimento em 5, 21-43; 6, 7-33; 11, 11-21 e 14, 1-11. A finalidade é para que o leitor interprete um evento à luz do outro. Assim, no texto de hoje, devemos nos perguntar com os versículos que tratam dos familiares de Jesus e o trecho referente à discussão com os escribas lançam luz um sobre o outro. Na verdade, em ambos os casos, Jesus é objeto de acusações falsas, e é incompreendido, ou até rejeitado, pelos seus familiares, bem como pelas autoridades de Jerusalém.

Não há dúvida que a atividade de Jesus causa espanto e choque. Trabalhando até a noite em prol dos excluídos e sofridos, misturando-se com gente considerada impura pela religião oficial, e portanto, com esta ideia introjetada na visão do povo comum, e criticando fortemente as lideranças religiosas do seu tempo, Jesus parecia para muitos “louco” ou possuído por um demônio, ou algo semelhante. Numa cultura onde “honra” e “vergonha” eram conceitos chaves para qualquer família, os familiares de Jesus resolveram conter o problema, indo “segurá-lo” e trazê-lo para a casa da família.
O confronto com a família continua nos vv. 31-35. É interessante como Marcos constrói a cena. Quando os parentes chegam ao local onde ele está pregando, eles nem tentam entrar para escutá-lo ou para conversar com ele. Eles deliberadamente ficam do lado de fora e mandam chamá-lo. Isso contrasta muito com a cena de dentro - onde uma multidão está sentada ao redor de Jesus - a atitude de discípulo. Quando é informado da presença dos seus parentes fora, Jesus olha aos que estão ao redor dele e faz uma declaração espantosa e contundente: “Aqui está minha mãe e meus irmãos!” O texto logo explica o sentido dessa afirmação: “quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe!” Na verdade, Jesus não está denegrindo a sua família, mas insistindo nas novas relações que nascem do discipulado d’Ele. Parentesco não traz privilégio nenhum - o importante é ser discípulo e cumprir a vontade de Deus. Assim Jesus afirma que na medida em que nós nos tornamos discípulos/as, teremos a mesma dignidade que a sua mãe e parentes. Tudo se relativiza diante das exigências do Reino e do seguimento!
Embora não seja uma questão de grande importância, talvez umas palavras sobre o sentido da frase “irmãos e irmãs de Jesus”. É bom lembrar que na tradição do Oriente Médio, não se define a família como o pequeno núcleo de pai, mãe e filhos, mas inclui parentes próximos e distantes. A versão grega do Antigo Testamento usa a palavra: “adelfos” (irmão) nos dois sentidos, restrito e amplo (Gn 29, 12 e 24, 48). Podemos dizer que na tradição cristã, existem três tipos de interpretação para esta questão. Primeiro, entende-se o termo “irmão” no sentido do uso oriental. Segundo, usando um documento apócrifo (não canônico) do século IV chamado Proto-Evangelho de Tiago, se diz que a Maria casou com um viúvo idoso, José que já tinha seis filhos/as: Judas, Tiago, Joset, Simão, Lídia, Lísia. Assim, os “irmãos” seriam só da parte de José e não da Maria. Terceiro, seguindo São Jerônimo, se diz que são primos de Jesus em primeiro grau. O importante é saber que a concepção virginal de Jesus está claramente ensinada na Bíblia e faz parte do Credo Apostólico. Mas, a questão da virgindade perpétua de Maria não é tocada nos Evangelhos, e não adianta buscar argumentos neles em favor ou contra. Essa doutrina faz parte da fé católica desde os primórdios.

Salmo - Sl 129,1-2.3-4ab.4c-6.7-8 (R. 7)


R. No Senhor toda graça e redenção!

1Das profundezas eu clamo a vós, Senhor,*
  2escutai a minha voz!
Vossos ouvidos estejam bem atentos*
  ao clamor da minha prece!

R. No Senhor toda graça e redenção!

3Se levardes em conta nossas faltas,*
  quem haverá de subsistir?
4Mas em vós se encontra o perdão,*
  eu vos temo e em vós espero.

R. No Senhor toda graça e redenção!

5No Senhor ponho a minha esperança,*
  espero em sua palavra.
6A minh'alma espera no Senhor*
  mais que o vigia pela aurora.

R. No Senhor toda graça e redenção!

7Espere Israel pelo Senhor,*
  pois no Senhor se encontra toda graça e copiosa redenção.
8Ele vem libertar a Israel*
  de toda a sua culpa.

R. No Senhor toda graça e redenção!



FESTA DA SANTÍSSIMA TRINDADE - ANO B



Refletindo o Evangelho do Domingo

Pe. Thomaz Hughes, SVD

FESTA DA SANTÍSSIMA TRINDADE - ANO B

Mt 28, 16-20 

Vão e façam que todos os povos se tornem meus discípulos

Hoje celebramos o mistério insondável de Deus, a Santíssima Trindade. Durante os primeiros séculos da sua existência, a Igreja lutou com dificuldade para expressar em palavras o inexprimível - a natureza do Deus em que acreditamos. Chegou à expressão profunda do Credo Niceno-Constantinopolitano onde celebra o Pai “Criador de todas as coisas”, o Filho “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial com o Pai’, e o Espírito que “dá a vida, e procede do Pai e do Filho”. Mas, mesmo essas expressões tão profundas não conseguem explicar a Trindade, pois se Deus fosse compreensível à mente humana, não seria Deus!
Dentro das limitações da linguagem humana, tentamos expressar o mistério da Trindade como “três pessoas numa única natureza”. Mas, mais importante do que encontrar fórmulas filosóficas ou teológicas abstratas para expressar o que no fundo não é possível definir, é descobrir o que a doutrina da Trindade pode nos ensinar para a nossa vida cristã. Talvez, o livro de Gênesis possa nos ajudar. Lá se diz que Deus “criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e os criou homem e mulher” (Gn 1, 28). Se fomos criados na imagem e semelhança de Deus, é de um Deus que é Trindade, que é comunidade, unidade perfeita na diversidade. Assim só podemos ser pessoas realizadas na medida em que vivemos comunitariamente. Quem vive só para si está destinado à frustração e infelicidade, pois está negando a sua própria natureza. O egoísmo é a negação de quem somos, pois nos fecha sobre nós mesmos, enquanto fomos criados na imagem de um Deus que é o contrário do individualismo, pois é Trinitário. No mundo pós-moderno, onde o individualismo social, econômico e religioso é tido como critério fundamental da vida, a Doutrina da Trindade nos desafia para que vivamos a nossa vocação comunitária, criando uma sociedade de partilha, solidariedade e justiça, no respeito do diferente do outro, pois fomos criados na imagem e semelhança deste Deus que é amor e comunhão. O texto evangélico nos faz lembrar que somos continuadores da missão da Trindade encarnada em Jesus de Nazaré - a de testemunhar o Reino de Deus, vivendo em comunidade o projeto de Jesus, o missionário do Pai, que nos congregou na Igreja pela ação do Espírito Santo. Na medida em que criarmos comunidades alternativas de solidariedade, fraternidade, justiça e paz, estaremos vivendo na imagem e semelhança do Deus Uno e Trino, comunidade e comunhão perfeita, que nos convida a participar da sua própria vida. A festa de hoje não é de um mistério matemático - como se fosse possível explicar “três em um” - mas do mistério do amor de Deus, que nos criou para que vivêssemos comunitariamente na sua imagem e semelhança. É, portanto, ao mesmo tempo celebração e desafio, para que tornemos cada vez mais concreto o projeto de Deus para toda a humanidade, no caminho do discipulado de Jesus.