Refletindo o Evangelho do Domingo
Pe. Thomaz Hughes, SVD
OITAVO DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO B
Mc 2,18-22
“Vinho novo deve ser
colocado em barris novos”
O texto de
hoje relata a terceira da série de controvérsias com vários grupos judaicos,
iniciada em Mc 2, 1. Talvez surpreendentemente a discussão de hoje se deu não
somente com os fariseus, mas com os discípulos de João Batista. Marcos fala
disso porque os discípulos de João formavam uma comunidade que sobreviveu à
morte do Batista, sem dúvida até o segundo século da nossa era (Jo 3, 25). O
motivo foi porque os discípulos de Jesus não davam grande importância ao jejum
- uma prática que, ao lado da oração e da esmola, era muita cara às tradições
religiosas dos judeus. Alias, práticas também que continuavam - e continuam - a
ter muito sentido para os cristãos de então, e de hoje, se bem que com ênfases
e expressões diferentes. O Sermão da Montanha, no sexto capítulo de Mateus (Mt
6, 1-18), nos dá as orientações de Jesus sobre essas práticas, para evitar que
caiam no formalismo e no vazio de serem somente práticas externas que não tocam
no coração da pessoa humana. Atualmente na Sexta-feira Santa, por exemplo,
lotam-se os restaurantes (de Curitiba-PR) para comer bacalhau caríssimo, uma
vez que comer um bifezinho é proibido! Assim se cumpre a Lei na letra, mas, não
no espírito!
Mas, no
texto de hoje, Jesus não se concentra sobre o jejum como tal, mas sobre o
simbolismo de jejuar ou não no contexto das bodas, ou casamento. A imagem de
banquete de casamento tinha conotações messiânicas e a referência a Jesus como
o noivo tem esse sentido. Com a vinda de Jesus chegou a hora do casamento, ou
seja de um novo relacionamento entre Deus e as pessoas. Mas, também neste
texto, bem no meio das controvérsias, se faz uma alusão clara à Cruz, ao
destino de Jesus, pois “vão chegar dias em que o noivo será tirado do meio
deles. Nesse dia, eles vão jejuar”. A fidelidade à vontade do Pai, na pregação
da novidade da chegada do Reino de Deus, levará inevitavelmente à morte, pois o
velho sistema político-religioso é incapaz de adaptar-se à grande novidade da
Boa Notícia trazida por Jesus.
Por isso,
Marcos termina o texto colocando duas frases sobre a relação entre o velho e o
novo - o pano remendado e os barris de vinho. A Boa Notícia, com as suas consequências
sociais e religiosas, é como um pano novo que não pode remendar roupas velhas,
e como barril novo que preserva vinho novo. Para acolher Jesus e o seu projeto,
é necessário acabar com estruturas arcaicas de dominação e de discriminação. Quem
procurar salvaguardar esquemas antiquados e injustos não vai conseguir
vivenciar a Boa Notícia. Jesus veio exigir mudança radical, tanto no nível
individual como social. Não veio “remendar” mas trazer algo novo - um novo
relacionamento entre as pessoas, com Deus, consigo mesmos e com a criação.
O desafio continua hoje - como é tentador “remendar” -
somente fazer algumas mudanças que não atingem o cerne das estruturas de
exploração, nem a sua raiz na nossa própria pecaminosidade. Por isso a
sociedade hegemônica, taxando-se muitas vezes de “cristã”, sempre procura
cooptar o Evangelho e a Igreja, para que não tenha que mudar. Quando a
cooptação e o suborno sutil não funcionam, parte-se para a perseguição - por
isso Marcos desde já aponta para a Cruz.
A sociedade moderna, com a sua grande arma nos Meios
de Comunicação, continua essa cooptação, disseminando uma religião “água com
açúcar” de “panos quentes”, dando espaço para movimentos religiosos intimistas
e alienantes, enquanto cala a voz dos profetas, ignorando-os ou até matando-os,
como o sangue dos mártires da América Latina muito bem testemunha. O Evangelho
de hoje nos desafia para que façamos as mudanças radicais necessárias para
acolher a Boa-Nova, para sermos contraculturais, com Jesus: “Vinho novo deve
ser colocado em barris novos”.