Refletindo o Evangelho do Domingo
Pe. Thomaz Hughes, SVD
TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA - ANO B
Jo 2, 13-25
“Mas Ele falava do templo
do seu corpo”
Oração do dia
Ó Deus, fonte de toda misericórdia e de toda bondade,
vós nos indicastes o jejum, a esmola e a oração como remédio contra o pecado.
Acolhei esta confissão da nossa fraqueza para que, humilhados pela consciência
de nossas faltas, sejamos confortados pela vossa misericórdia. Por Nosso Senhor
Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Evangelho (João 2,13-25)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
2,13 Estava
próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. 14 Encontrou no
templo os negociantes de bois, ovelhas e pombas, e mesas dos trocadores de
moedas. 15 Fez ele um
chicote de cordas, expulsou todos do templo, como também as ovelhas e os bois,
espalhou pelo chão o dinheiro dos trocadores e derrubou as mesas. 16 Disse aos
que vendiam as pombas: Tirai isto daqui e não façais da casa de meu Pai uma
casa de negociantes. 17 Lembraram-se então os seus discípulos do que está escrito: “O
zelo da tua casa me consome”. 18 Perguntaram-lhe os judeus: "Que sinal nos
apresentas tu, para procederes deste modo?" 19 Respondeu-lhes Jesus: "Destruí vós este templo, e
eu o reerguerei em três dias". 20 Os judeus replicaram: "Em quarenta e seis anos foi
edificado este templo, e tu hás de levantá-lo em três dias?!" 21 Mas ele
falava do templo do seu corpo. 22 Depois que ressurgiu dos mortos, os seus discípulos
lembraram-se destas palavras e creram na Escritura e na palavra de Jesus. 23 Enquanto
Jesus celebrava em Jerusalém a festa da Páscoa, muitos creram no seu nome, à
vista dos milagres que fazia. 24 Mas Jesus mesmo não se fiava neles, porque os conhecia
a todos. 25 Ele não
necessitava que alguém desse testemunho de nenhum homem, pois ele bem sabia o
que havia no homem. Palavra da Salvação.
COMENTÁRIO
O nosso texto relata, na tradição do Quarto Evangelho, um dos eventos
mais conhecidos na vida de Jesus - a expulsão dos vendedores do Templo. No
Quarto Evangelho, esse evento está situado no início da Vida Pública de Jesus,
enquanto no Evangelho mais antigo, Marcos, está situado no início da Semana
Santa. Assim, os dois autores relatam o acontecido segundo o esquema dos seus escritos,
mas ambos trazem uma mensagem bem clara - o que vai finalmente levar Jesus à
morte é o seu conflito com as autoridades do Templo, que se sentiram ameaçadas
no seu poder político, religioso e econômico pela pregação e atuação
libertadora de Jesus, que revelava o verdadeiro rosto de Deus o e seu projeto
de vida plena, ofuscados pelo ritualismo de exploração da classe sacerdotal de
Jerusalém, aliada ao poder opressor romano. Para João, esse conflito estoura
desde o início da vida pública. Para Marcos, o evento é a gota d’água que
desencadeou o conluio que levaria Jesus à Cruz.
Na cena do texto, Jesus vai a Jerusalém para a primeira das três
Páscoas mencionadas em João (nos Sinóticos - Mt, Mc, Lc - a vida pública de
Jesus só durou um ano e eles só mencionam uma Páscoa). No Templo, que deveria
ser o lugar do culto ao Deus verdadeiro da Bíblia, o Deus de libertação, o Deus
dos pobres e sofridos, Ele encontra um verdadeiro mercado, onde, no pátio
externo, era possível comprar os animais para os sacrifícios e trocar a moeda,
uma vez que a moeda corrente do país não era aceita no Templo. Quando atacava
esse comércio, Jesus estava indo além da mera condenação de um abuso. Pois os
animais e o câmbio eram necessários para o funcionamento do Templo. Como Jesus
substituiu a purificação dos judeus no sinal das bodas de Caná, aqui Ele
demonstra que o centro do culto judaico perdeu o seu sentido. Pois, a presença
de Deus, antes achada no Templo, agora deturpado pela elite religiosa e
política, doravante reside em Jesus, o Filho de Deus encarnado. Ele cumpre as
profecias de Jeremias e Zacarias que predisseram uma religião sem templo
nacionalista, explorador econômico do povo (Jr 7, 11-14; Zc 14, 20-21).
João entende que o verdadeiro templo é o corpo de Jesus, que será
ressuscitado em três dias - ele usa de propósito o verbo “reerguer” em lugar do
“reconstruir” dos Sinóticos (Mt 26, 61). As autoridades judaicas destruíram o
sentido do Templo, abusando do povo economicamente, como vão destruir o corpo
de Jesus, matando-o; mas Jesus tem o poder de reerguer o verdadeiro Templo onde
habita Deus, na ressurreição, depois de três dias.
Mais uma vez Jesus, através de uma ação profética, desmascara a
deturpação da religião por parte das autoridades de Jerusalém. Embora o templo
fosse muito bonito e imponente, com liturgias pomposas bem frequentadas, a sua
religião era vazia, pois escondia o rosto amoroso e misericordioso de Deus. As
igrejas sempre correm este mesmo risco. Além da descarada exploração financeira
dos seus fiéis por parte de algumas seitas (cuidemos para não generalizarmos
aqui e evitemos que a mesma coisa aconteça na nossa Igreja!), aos poucos muitas
comunidades cristãs perderam a sua dimensão profética de denúncia e anúncio,
configurando-se ao mundo neo-liberal de consumismo e gratificação emocional
imediata, tornando o Evangelho uma mercadoria a ser vendida através de um
marketing, que jamais pode questionar os valores da sociedade vigente. Como
escreveu alguns anos atrás o Frei Beto, a religião assim “brilha sob as luzes
da ribalta, trocando o silêncio pela histeria pública, a meditação pela emoção,
a liturgia pela dança aeróbica. Na esfera católica, torna o produto mais
palatável, destituindo-o de três fatores fundamentais na constituição da
Igreja, mas inadequados ao mercado: a inserção dos fiéis em comunidades, a
reflexão bíblico-teológica e o compromisso pastoral no serviço à justiça. As
homilias se reduzem a breves exortações que não incomodam as consciências”
(Estadão 03.11.99).
Assim, o texto de hoje nos
traz um alerta - Jesus não veio compactuar com uma religião exploradora,
alienadora e aliada ao poder, mas para encarnar as opções do Deus Javé,
libertador dos males e de toda exploração; ele veio “para que todos tenham a
vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10). Uma religião que abandona a sua
função profética é tão traidora quanto a religião decadente das elites do
Templo. Nos últimos anos, as vozes de Bento XVI, do Arcebispo Desmond Tutu, do
Dalai Lama e de outros líderes religiosos soaram profeticamente ao redor do
mundo, lembrando-nos que a religião não se confina à sacristia, mas tem que
levar à prática dos princípios do Reino, que se recusa a legitimar o
derramamento de sangue em troca de petróleo ou minérios.
Salmo responsorial 18/19
Senhor, tens palavras de vida eterna.
A lei do Senhor Deus é perfeita,
conforto para a alma!
O testemunho do Senhor é fiel,
sabedoria dos humildes.
Senhor, tens palavras de vida eterna.
Os preceitos do Senhor são precisos,
alegria ao coração.
O mandamento do Senhor é brilhante,
para os olhos é uma luz.
Senhor, tens palavras de vida eterna.
É puro o temor do Senhor,
imutável para sempre.
Os julgamentos do Senhor são corretos
e justos igualmente.
Senhor, tens palavras de vida eterna.
Mais desejáveis do que o outro são eles,
do que o ouro refinado.
Suas palavras são mais doces que o mel,
que o mel que sai dos favos.
Senhor, tens palavras de vida eterna.
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